Sob chuva, Roger Waters traz principais sucessos do Pink Floyd em show politizado e polarizado

Por Danielle Barbosa
Foto: Bárbara Lopes | T4F

Roger Waters é um ícone. Disso ninguém tem dúvidas. O músico de 75 anos, líder do Pink Floyd, veio ao Brasil para uma longa sequência de apresentações, que começou em São Paulo e passou por outras cinco capitais, incluindo Belo Horizonte, Salvador, Brasília, Curitiba e Porto Alegre. Em todos os shows, como era esperado, o artista mobilizou multidões de mais de 40 mil pessoas ansiosas para ver o espetáculo proporcionado por Waters na “Us and Them” Tour. No Maracanã na última quarta-feira, 24, nem a forte chuva afugentou o público, composto por pessoas de todas as idades, gêneros e crenças. Bastante democrático, conforme preza o próprio rockstar.

Se o Maracanã viu gols históricos, títulos inesquecíveis e abriu as portas para duas finais de Copa do Mundo in-loco, a apresentação de Roger Waters não merecia acontecer em outro palco. A magnitude do Estádio Jornalista Mario Filho coube bem com a proposta do ex-líder do Pink Floyd: uma apresentação com estrutura de deixar qualquer um boquiaberto. A começar pelo telão, que percorria as dimensões do gramado do estádio de uma ponta à outra. Além disso, efeitos de laser em 3D, fumaça, fogos de artifício, infláveis, luzes de LED e vídeos que foram exibidos para a plateia da música 1 à 23 do setlist. Mas o que é mais interessante vem agora: se no cenário geral, o primor com que o aspecto visual foi tratado por Roger e sua equipe merecem nota 10, o repertório (junto com os vídeos ao fundo e os discursos do cantor) narraram uma história; história essa que deu foco à militância e abordagem de temáticas um tanto quanto polêmicas, como a política internacional.

Enquanto ativista, performer, músico e exímio compositor, o objetivo de Roger Waters em cima do palco era fazer as pessoas refletirem, fossem essas à favor ou contrárias ao seu posicionamento. Cabe salientar que, ao menos no Rio, a porcentagem do público favorável e contrário ao discurso do roqueiro ficou em tom de igualdade: 50 a 50. Se muitos vaiaram durante alguns momentos, tantos outros aplaudiram de pé, gritaram palavras de ordem (como “Ele não!”) e se manifestaram com veemência. Gostasse ou não da visão de Roger Waters quanto à temática, uma coisa é indiscutível: ele foi coerente. Afinal de contas, todo o histórico do músico (seja em carreira solo, seja no Pink Floyd) vai em direção ao que foi apresentado na noite de 24 de outubro; uma luta pelas minorias, oposição à governos autoritários e à favor da vida de milhares que não tem ninguém para defendê-los.

Foto: Bárbara Lopes | T4F

Polêmicas à parte, a única coisa que não teve questionamento algum foi a maestria com que Waters percorreu o seu repertório, composto por clássicos do Pink Floyd e algumas faixas de sua carreira solo, totalizando 23 músicas. Clássicos como “Welcome To The Machine”, “Pigs” e “Money” tiveram o peso que deveriam ter, com riffs de guitarra potentes, atitude e coros empoderados dentre a multidão. Enquanto outras faixas, como “Dèja Vu”, “Picture That” e “The Last Refugee”, todas da carreira solo do artista, tiveram um tom mais reflexivo, com um quê de melancolia no ar. “Time” e “Wish You Were Here”, junto com “Comfortably Numb”, talvez estejam no top 10 de muitas pessoas como músicas favoritas de todos os tempos.

Em um misto de êxtase com comoção, as pessoas cerraram os punhos voltados para o ar, grupos de amigos e familiares que estavam juntos se abraçaram, em tom de união, e a chuva que caía parecia trazer a atmosfera para o seu ideal. Muitas daquelas pessoas lavaram a alma naquela noite. Fosse da angústia que os últimos meses têm sido ou o simples (embora grandioso) fato de estar frente à frente com uma das maiores lendas da música. Ao ver pessoas com os olhos marejados, algumas chorando, muitas se manifestando e todas (sem faltar uma sequer) imersas no flow da apresentação de Waters, ficou claro que não se tratava apenas de mais um show. O que aconteceu no Maracanã foi um ato artístico, político e social. Com qualidade e precisão inigualáveis.

Dois foram os momentos em que a figura de Waters ficou em segundo plano. O primeiro, quando diversas crianças da ONG EducaGente, da Associação Beneficente São Martinho, adentraram ao palco trajando macacões na cor laranja, usados por prisioneiros nos Estados Unidos, em “Another Brick In The Wall”. Ao fundo, um letreiro com a palavra “RESIST”, em vermelho. A ação causou euforia em grande parte do público, que discorda de muitas políticas aplicadas durante o governo Donald Trump, uma das figuras mais emblemáticas e criticadas nos espetáculos que o britânico faz ao redor do mundo.

Foto: Bárbara Lopes | T4F

O segundo, esse mais voltado à uma polêmica brasileira, foi quando a família da ex-deputada do PSOL, Marielle Franco, subiu ao palco para cobrar uma resolução do caso, que foi assassinada em março deste ano e nenhuma resposta foi dada à sociedade. O cantor, que recebeu uma camisa preta com a frase “Lute como Marielle Franco”, ficou em segundo plano neste momento e foram os membros da família de Marielle que interagiram com o público, finalizando o discurso com coros de “Justiça!”

Durante a passagem pelo Brasil, Waters concedeu entrevista ao músico brasileiro Caetano Veloso, tendo a política como temática principal. Poucos artistas no mundo fazem valer de sua posição privilegiada – de estar em um palco, tendo possibilidade de discursar para milhares em uma noite, milhões em uma ronda inteira de uma tour – para efetivamente elucidar as mazelas sociais e políticas que cada nação vive. Na música, Waters encontra o caminho mais pacífico e leve para permear o subconsciente das pessoas. Em mais de duas horas de apresentação, apesar de tanta polarização política na plateia, não houve conflitos entre a plateia e todos souberam se respeitar, dentro do possível e aceitável.

A cordialidade, elegância e firmeza com que Roger Waters liderou sua apresentação jamais serão esquecidas.
Muito pelo contrário. À nós, só nos resta reverenciar.

Obrigada, Roger Waters!

Setlist:
Set 1:
1. Speak to Me
2. Breathe
3. One of These Days
4. Time
5. Breathe (Reprise)
6. The Great Gig in the Sky
7. Welcome to the Machine
8. Déjà Vu
9. The Last Refugee
10. Picture That
11. Wish You Were Here
12. The Happiest Days of Our Lives
13. Another Brick in the Wall Part 2
14. Another Brick in the Wall Part 3

Set 2:
15. Dogs
16. Pigs (Three Different Ones)
17. Money
18. Us and Them
19. Smell the Roses
20. Brain Damage
21. Eclipse

Encore:
22. Mother
23. Comfortably Numb


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